Confesso que me sentei em frente ao computador...respirei fundo....respirei fundo novamente, e mais vinte vezes.
Olhei novamente para o ecrã do computador e respirei fundo uma última vez antes de começar a escrever. Só por um simples facto...a minha revolta é tão grande que em cada palavra que me passa pela cabeça tenho que procurar os adjectivos mais adequados para se enquadrar naquilo que considero ser o meu ser racional.
Tudo começou naquela primeira grande greve do metro que me catapultou para a confusão que são os transportes numa amálgama confusa de trânsito...não havia grande problema até porque ia a ouvir música só para não ouvir o típico reclamar português no autocarro, e num dia de Inverno o solinho que estava caía mesmo bem...até...
Acho que fiquei em estado de choque, revolta profunda, transtorno total!!! Não podia acreditar no que me tinha passado pelos olhos!
Impensável!
Para mim aquilo foi o descalabro. Ainda que pensem que isto possa ser algum tipo de histerismo, a verdade é que, para mim, pensar que em 8/9 anos desde o último Referendo as mentalidades não evoluem, é grave.
Para mim, foi muito grave, observar em outdoors frases como “Vote Não porque já bate um coração” ou “Porque é que os seus impostos hão-de servir para pagar clínicas de aborto?”. Não sei se é indecente ou de uma profunda sensação gregorial! Mas que me irrita, irrita! Só por um motivo (vírgula, mais uns quantos...)! Pressupõe-se [julgava eu...] que, num Estado Democrático se preste o serviço de Informar, de se tratar as questões com respeito e imparcialidade para que, cada um, na sua consciência, presente e futura, possam avaliar as implicações dos seus actos. Julgo eu que, de uma forma bastante simplificada, se possa chamar a isto Cidadania e Responsabilidade.
Assim, por favor, com o devido respeito que todas as opiniões merecem, alguém me explique como é que, com aquele tipo de pergunta se presta informação, esclarecimento ou consciencialização para o problema que vai ser referendado. Alguém me explique porque é que a questão que vai ser referendada é distorcida e tratada levianamente, puxando pelo sentimentalismo-moralista-que-não-resolve-e-condena. Estes outdoors são, para mim, publicidade que considero quase criminosa para todos os ignorantes que se recusam a pensar por um pouco que seja na questão, indo atrás do que os outros acham correcto, só porque sim! Aliás, neste caso, só porque não....
Então coloco a questão: o referendo vai colocar na mesa uma frase cujo cerne é muito simples – somos a favor ou contra a Despenalização? É só isto! Apenas isto.
Da minha boca, nunca!, ninguém, vai ouvir que sou a favor do aborto e, sinceramente, quem o disser levianamente é porque não sabe o que está a dizer. Eu não sou a favor do aborto. Ainda assim não posso, com o meu voto, restringir uma mulher (porque infelizmente não são os homens que vão parar à prisão...e peço desculpa q.b. para quem sentir que isto foi um qualquer tipo de ofensa) de, sobre o seu corpo, em consciência e com o peso que isso acarreta, avaliar as suas razões e agir de acordo com a sua realidade, num local seguro, higiénico, com acompanhamento médico, psicológico, em detrimento a anos de prisão.
Eu sou a favor da Despenalização da Interrupção Voluntária da Gravidez.
Português difícil ou é possível vislumbrar a luz ao fundo do túnel?
Passo a explicar as minhas razões [possivelmente mais elucidativas no comentário que está em “anexo” que coloquei no blog No Largo da Graça]. Coisa que todos deveríamos ter – opinião formada, racionalizada, independentemente de crenças, credos, moralismos e afins. Aliás, um referendo é um apelo a isso mesmo – a conscientemente votar – exercendo o nosso direito e DEVER de cidadania.
Mas há mais... ao ler o «Público» [Jornal Público, Quarta-Feira, 17 de Janeiro de 2007, pág.13] não sei se me choca mais o facto de se apelar ao bolso dos portugueses para votar ‘não’ ou à [suposta] fé eclesiástica, cristã (bla bla bla), de puro sentimentalismo grotesco e ameaçador como a «Acção Família» vai fazer com cerca de 2 milhões de panfletos que vão ser distribuídos nas caixas de correio com “coisas” contra a “liberalização do aborto” nos quais afirmam, e cito:
- “Nossa Senhora chora (...) por milhares de inocentes que podem perder a vida antes mesmo de dar o primeiro gemido” [ainda bem que todas as crianças que vivem em orfanatos, cheias de traumas, são felizes, não chorem por elas que não é preciso....];
- a Acção Família “não está de acordo com o assassinato brutal de inocentes ainda no ventre materno”, reiterando ainda que, “Esta é a resposta que Nossa Senhora espera de si.”;
- citando directamente o jornal: “(....) O panfleto serve, simultaneamente, para promover um ‘estojo do Terço da Vida’ e o livro O Rosário da Vida, “com meditações para rezar o terço em desagravo ao referendo, que, por si só, já constitui uma ofensa a Deus” [nem comento...nem comento...nem comento...nem comento...nem comentooooooo!];
Mais?
O Cardeal Patriarca também reafirmou [Público, idem] a sua oposição à despenalização porque “uma lei que permita a destruição da vida humana é um atropelo de civilização, sinal de desvio preocupante no conjunto de valores éticos que são a base das sociedades humanistas, tão arduamente construídas ao longo de séculos”. [Prefiro não comentar, porque o que me vem à cabeça pode suscitar a fúria de alguém mais fundamentalista – há que reconhecer o papel da Igreja na construção das sociedades, a sua bem-aventurada Inquisição, e o seu tão recto percurso na História, com nenhum apelo à profunda fé avestruzana e sou-sempre-Eu/Igreja-que-tenho-razão....isto não foi um comentário!]
Mais?
Também gostei de ver e, infelizmente, ouvir, num canal público, alguém da Plataforma Não Obrigada! dizer que se deve votar contra o aborto porque é uma clara discriminação de quem não se pode defender. [claro que sim. Cada um acredita no que quer...óbvio (sem ironia e com o respeito máximo, sem qualquer tipo de questão e comentário). Ainda assim cientificamente/eticamente não está formada uma opinião relativa à concepção humana, mas preocupemo-nos com a discriminação no ventre porque a que há na sociedade, felizmente, já não existe!....]
E pronto...haja informação, consciência, responsabilidade.
Respeito? Por todas as opiniões em cima citadas. Com mais ou menos “simpatia” por umas e outras.
A minha opinião? Não interessa. É apenas mais uma em 11 milhões. Mas uma que vai votar. Como todos deverão fazer! A minha opinião, provavelmente, só interessa a mim. Daí este manifesto. Manifesto contra estas “políticas”, contra este show-off que tantos gostam de fazer na televisão, contra o pensar no longo prazo, contra o pensar no bem comum, contra tanta coisa...
Eu acredito profundamente na Democracia, acredito na liberdade de expressão, acredito no respeito pela liberdade do próximo, acredito na racionalidade humana, acredito que possamos pensar com a nossa cabeça, acredito na nossa evolução, acredito que haverá muito pouca abstenção, acredito na Utopia...dia 11 logo se vê se vale a pena ter fé...
Ficam ainda, alguns Números [«Público», 10 Dezembro de 2006, p.13]
- 906
Foi o número de abortos praticados ao abrigo da lei nos hospitais portugueses em 2005. Destes, menos de um quinto foram feitos por razões maternais. Na maior parte dos casos a gravidez foi interrompida por malformações fetais.
- 73
É o número de abortos oficialmente registados como ilegais que chegaram aos hospitais portugueses, o ano passado.
- 4454
Abortos registados como espontâneos. Representam quase metade dos episódios de internamento devido a interrupções de gravidez registados no Serviço Nacional de Saúde em 2005 (10 551 no total).
- 1861
Abortos são classificados como “não especificados” nas estatísticas da Direcção-Geral de Saúde. Este grupo incluirá, segundo alguns especialistas, muitos casos de complicações surgidas na sequência de abortos clandestinos, mas tem vindo a diminuir ao longo dos anos.
- 20 mil
Deverá ser o número de abortos clandestinos realizados por ano em Portugal, estimativa feita a partir de extrapolações internacionais (no ano passado, em Espanha, com uma população quatro vezes superior à nossa, registou cerca de 85 mil abortos).
- 230
Pílulas do dia seguinte vendidas o ano passado em Portugal
Para terminar, quero apenas colocar aqui um comentário que fiz no blog, «NO LARGO DA GRAÇA»- http://lagra.blogspot.com/, onde esta questão surgiu há algum tempo. Devido ao tema, sempre que pude, fui espreitando os comentários. E continuei caladinha a ler atentamente a opinião de cada um até ao ponto de saturação em que me decidi em pegar em alguns argumentos expressos para contestar o «porque sim» ou «porque não». Cada um tem a sua opinião, e esta é a minha. Desculpem se parece um testamento exasperado, mas foi essa a reacção que alguns comentários me suscitaram e desatei a escrever...
«CONCORDA COM A DESPENALIZAÇÃO DA INTERRUPÇÃO VOLUNTÁRIA DA GRAVIDEZ, SE REALIZADA, POR OPÇÃO DA MULHER, NAS PRIMEIRAS DEZ SEMANAS, EM ESTABELECIMENTO DE SAÚDE LEGALMENTE AUTORIZADO?»
É esta a questão que, em princípio, será colocada aos portugueses. Ou seja, somos chamados a responder a um apelo, a um referendo para decidir um assunto de tão grande importância.
Começo por referir que não li ao pormenor todos os comentários (por serem imensos) mas que não pude deixar de observar alguns pormenores que me deixaram um pouco assustada.
Comecemos pela questão do voto. Caro Jm, confesso que é de minha profunda admiração que se troque um direito (conquistado se bem se recorda) por um dia de sol! Ainda mais me frustra que muitos como o Sr. tenham essa mentalidade e não exerçam o seu direito e Dever enquanto cidadão português.
Adiante.
A questão em si.
Engraçado como toda esta discussão gire em torno de uma palavra – aborto. Julgo que a questão fulcral é a palavra despenalização. Sejamos realistas! Eu duvido que haja alguém a favor do aborto! E como alguém referiu, para quem tem a necessidade de o fazer tem que carregar com esse fardo na consciência para o resto da vida. Mas EU sou a favor da despenalização por vários motivos que, creio, ainda não terão sido abordados.
1- gostamos muito de falar em adopção. É tudo muito bonito se o nosso sistema funcionasse…Se os portugueses preferissem crianças/adolescentes, os quais parecem ter um prazo de validade que caduca após uns anos de vida (julgo ser dos 6-18 anos a taxa para ter uma família diminui radicalmente). E por favor não me venham dizer que temos muito boas instituições, pois tenho exemplos práticos de que não temos, para além do mais, mesmo as Associações Pró-Vida e afins gostam muito de aplaudir o seu trabalho às mães. Mas gostava de saber números certos, porque umas centenas não faz juz ao número (milhares?!) de mulheres que vão a Espanha.
2- isto abre uma outra porta. A lei que existe não passa de areia para os nossos olhos!!! E enquanto isso, continuam os relatos de mulheres que para além de rios de dinheiro que gastam ( e que, como alguém disse os “filhos” arremedeiam-se por cá, os “meninos” vão para onde o dinheiro pode salvar a família da “vergonha”), não têm o mínimo de condições higiénicas e onde autênticos carniceiros, sem o mínimo de qualificações as atendem! Não sejamos hipócritas! Esta é a realidade, porque ela não desaparece por causa desta lei, continua a existir! E este é o ponto fulcral – despenalizar, para que hajam clínicas onde existam condições (a todos os níveis) para que num acto extremo (não vale sequer colocar razões porque cada um tem as suas e quem julga está no Céu!!) a mulher tenha condição de ir para casa e viver com aquilo que praticou, e não corra o risco de se esvair em sangue antes de conseguir chegar a um hospital.
3- julgo que terá sido a Valéria que disse que «não devemos usar a ivg como uma espécie de método anti-concepcional». Para além de redutor da situação que existe em Portugal é ignorar o actual sistema que existe para se esconder atrás de uma ideia simples: defender qual das “vidas”, a da mãe (sim porque os “pais” muitas vezes nem existem, pelo simples facto de que não lhe pesa a eles!) ou da “criança”?
“Criança” esta não cientificamente provada, mas dogmaticamente defendida pela Igreja – a mesma que não aprova o preservativo, a mesma que continua a tapar o sol com a peneira em países cujo HIV/SIDA continua a alastrar a olhos vistos…(outra estória…)
O facto é que pensar sequer que uma prática evasiva e traumatizante se possa tornar um método (nem podemos usar anti-concepcional, porque JÁ foi concebido!) é ultrajante para as mulheres!
4- (…continuação - Informação: ) afinal, a informação não existe?! A Igreja enquanto instituição não deveria igualmente prestar essa informação? Não devíamos todos nós?! Aos vossos filhos, sobrinhos e afins?! Como é que podemos falar em informação quando, segundo bem me lembro, tivemos a discussão ridícula em Portugal – colocar ou não colocar caixas de venda de preservativos nas escolas -?! A resposta foi não. Curiosamente surge um novo fenómeno que preocupa a população médica – a pílula do dia seguinte, ela sim usada como método anti-concepcional e não como um último recurso, e este com repercussões que ainda são desconhecidas no longo-prazo!
Informação!? Podemos mesmo falar em informação, quando há décadas que esperamos por cadeiras de Educação Sexual? Quando nem professores especializados existem para essas matérias?! Isto é que é ridículo!!! Este país!
Querem duas visões simples deste referendo?
1- O «Não». Ninguém vai votar porque se vai para a praia, ou porque se vai passear o cão, ou porque a prima faz anos e não apetece. Os médicos, enfermeiras, e acusadas (sim porque não me lembro de ter visto nenhum homem no banco dos réus! E curiosamente são os homens que fazem “as crianças” e as mulheres que vão para a prisão!!!), continuarão a ser punidos. Espanha continuará a lucrar com os desaires portugueses (para variar), para quem possa pagar. Em Portugal vai haver gente nojenta que sem condições perpetua a carnificina às mulheres. Continuará a Não haver educação sexual. Continuará tudo na mesma. Quem beneficiou? Ahh, as “crianças”, sim... Certo.
2- O «Sim». Porque existem cidadãos que votam, ou porque em AR se decide aquilo que o povo quis ignorar. Ainda assim, a Despenalização da gravidez será uma realidade à qual o país terá de acudir. De qualquer modo, quer com sim ou não, as clínicas espanholas virão para Portugal. Em locais legalizados os médicos poderão prestar os cuidados necessários à realização de tal acto. Espera-se que toda a questão suscite uma vontade geral de mudança: educação sexual, informação NAS escolas não só sobre a temática, os riscos, sexo, contraceptivos, etc.
A verdade é que EU sou a Favor da Despenalização da Interrupção Voluntária da Gravidez. Não consigo sequer imaginar as razões que levam uma mulher a tal acto – não consigo julgar quem o queira fazer por razões “de ser cedo de mais”, “porque o namorado/marido não quer assumir”, “porque a família não quer essa vergonha”, ou alguém que por razões económicas, sociais, habitacionais já não tenha condições para colocar um ser (para sofrer) neste mundo.
Muitas vezes interrogo-me quantas dessas pessoas a favor do não já falaram de boca cheia, por exemplo, em relação à pena de morte – “se é culpado deve pagar”, “matou o outro, deve morrer”, e agora, quando falamos em despenalização de uma prática que existe na clandestinidade, com todas as consequências inerentes a isso, abrem a boca para dizer que não. Mas claro, esqueci que não é a mesma coisa - Uma pessoa feita e uma não feita.
Vamos continuar a ser hipócritas e a colocar no banco dos réus aquelas pobres mulheres que tiveram o azar de ser denunciadas?
Quem é a favor do Não, pode mesmo ir passear à beira-rio, porque se não querem fazer filhos não os façam, se acham que existe informação divulguem-na, se acham que existem instituições apoiem-nas, se acham que a lei que existe é suficiente para os casos que Portugal vive, fiquem em casa. Agora não cortem as pernas a quem não tem dinheiro, a quem vive atrás do sol posto e não tem água nem luz, quanto mais saber o que é um preservativo ou os dias férteis do mês, que não sabe o que é um ginecologista, que se sujeita (pelos seus motivos) a um acto violento contra si própria e ainda se vê no banco dos réus, quando deveria estar a receber auxílio psicológico ou financeiro, e não estar por entre ladras, homicidas e afins.
Obrigada.
Cláudia
Um simples ‘Não’, não resolve!!! Um ‘SIM’, não resolve mas despenaliza!...